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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A Metalinguagem Arquetípica - Ciência da Arte.

Uma Defesa à Livre Interpretação


Do dicionário Michaelis da Lingua Portuguesa:


metalinguagem (meta- +linguagem) sub. fem.
Me.ta.lin.gua.gem
    1 Linguagem que se utiliza para descrever outra linguagem ou qualquer sistema de significação.             Linguagem que o crítico literário utiliza para investigar as relações e estruturas presentes numa obra.


              Metalinguagem é a arte de se falar de uma relação ou processo de uma obra, por ela mesma. É uma expressão de algo importante sobre si, contida na própria obra. Assim como um discurso de um indivíduo em terapia, metalinguagem traz as tensões sobre si mesma sempre nas relações com seu entorno, sendo seu modo de ser, sua personalidade e identidade dependente e condicionada por essa relação.
            Primeiro de tudo, toda arte é metalinguística, por definição. Aquilo que transcende a função prática de técnica e se converte em poiesis, e isto é um componente das trocentas possíveis definições se tratando de Arte. Alguns dizem que a arte é a vontade de ser uma afirmação que não precisa ser explicada. Como uma variação mórfica deste mesmo pensamento, advogo pela idéia de que a livre interpretação da arte é possível justamente por podermos interpretar quase que indefinidamente, o que seria o mesmo de não poder explicar, pois quando se explica espera-se que algum dia o mapeamento termine. Escolha tua via, ambas servem, até porque quem faz a interpretação será sempre outra pessoa que não o artista da própria obra, pelo artista em si realmente acredito que não necessita interpretação.
               Pois bem, em seguida adentrarei o campo de Arquétipo, mas espero que a esta altura já esteja  se tornando um tanto claro o objetivo desse ser o único post que pretendo fazer que não fala especificamente sobre filmes. A resposta é que este texto advoga a possibilidade de se postular conteúdos muito diferentes daquilo que o autor/artista tentou dizer em sua obra. Quando há uma crítica em qualquer meio, frequentemente ouço muitas pessoas dizerem "ah, mas duvido que o autor quis dizer isso"...bem, o que eu tenho a dizer sobre isso é: Este blog defende a teoria do inconsciente. Ponto. Mas vou além na explicação, e ainda, em direção ao conceito de arquétipo.
               O Arquétipo pode ser definido em termos um tanto gerais, como uma sedimentação milenar de experiências humanas, (oriundas não só do homo sapiens, mas de muitos ancestrais desde épocas remotas) que do biológico passaram a se tornar, pela repetição, "padrões comportamentais" universais independente de época ou sociedade. Vejam só um trecho da carta de C.G Jung enviada ao professor G.A van den Bergh von Eysinga:

"Antes de mais nada, não sou filósofo e meus conceitos não são filosóficos e abstratos, mas empíricos (...). O conceito em geral mal compreendido é o de Arquétipo, que cobre certos fatos biológicos, mas que não é uma idéia hipostasiada. O 'Arquétipo' é praticamente sinônimo do conceito biológico de 'padrão comportamental' (behaviour pattern) Mas como este designa principalmente fenômenos externos, escolhi o termo 'arquétipo' para o 'padrão psíquico' (psychic pattern). Não sabemos se o pássaro tecelão contempla uma imagem interna ao seguir um modelo imemorial e hereditário na construção de seu ninho; mas pelo que sabemos da experiência, nenhum pássaro tecelão inventou o seu ninho. É como se a imagem da construção do ninho tivesse nascido com o pássaro. (...) Como nenhum animal nasce sem seus padrões instintivos, não existe razão para supormos que o ser humano tenha nascido sem suas formas específicas de reação fisiológicas e psicológicas. Não há necessidade de ensinar ao animal procedimentos instintivos; também o ser humano possui suas formas psíquicas básicas, que ele repete espontaneamente, sem tê-las aprendido nunca. Na medida em que possui a consciência também recebe a possibilidade de perceber suas estruturas instintivas na forma de imagens arquetípicas. Como é de se esperar, essas representações são praticamente universais".

                Que bela aula do mestre! Mas no que será que isso nos convém? Pois bem, se imaginarmos que o arquétipo é um substrato universal atemporal e geo-irrelevante, teremos de olhar para a história e estrutura da Mitocrítica pra perceber que os dramas humanos sempre foram os mesmos, independente de ser um Negro Drama© da selva de pedra ou de um soldado chinês do séc XIV. Diante disso, o conteúdo e processo de produção artística seria, em termos bem gerais e adequados ao propósito deste blog, uma irrupção libidinal de um inconsciente pessoal pautado pelo inconsciente coletivo, com todas as vastas possibilidades arquetípicas fundamentais, adquirindo as características antropológicas de tempo e espaço em um segundo momento, posterior à insurgência do arquétipo. Isso é bem conhecido na prática pelos melhores roteiristas e/ou diretores. Eles não precisaram estudar essas teorias ativamente, e por isso mesmo eles sabem criar um personagem complexo mas não tentam fazer isso de modo consciente, pois poderiam no máximo criar um estereótipo e/ou um clichè, (ou vários deles ao mesmo tempo, como nas novelas da Globo por exemplo) eles sabem e aprenderam a respeitar seu processo criativo que vem e vai de modo volátil, sem saber ao menos explicar o que provocou tais pensamentos. Trata-se de legítima inspiração artística proveniente de uma necessidade humana de expressão, eles estão em um estágio de conseguirem sentir e canalizar a expressão de um símbolo, responsável por integrar a união de opostos. Eis algo sobre nossa metalinguagem arquetípica:
“é uma força da natureza que se impõe, ou com tirânica violência ou com aquela astúcia sutil da finalidade natural, sem se preocupar com o bem-estar pessoal do ser humano que é veículo da criatividade (...) faríamos bem em considerar o processo criativo como uma essência viva implantada na alma do homem. A Psicologia Analítica denomina isto complexo autônomo" (Jung,1991, 63)
              Centelha divina, dom, genialidade, impulso criador ou complexo autônomo. Não importa a alcunha, é a força que canaliza a energia libidinal do artista para a "compreensão intuitiva" dos arquétipos que se manifestam através dos enigmáticos símbolos, que por sua vez, revelam a história mítica da sociedade:
“O artista é sem querer o porta-voz dos segredos espirituais de sua época e, como todo profeta, é de vez em quando inconsciente como um sonâmbulo. Julga estar falando por si, mas é o espírito da época que se manifesta e, o que ele diz, é real em seus efeitos"  (Jung, 1991, 63)
               
Quadro de Salvador Dalí:
"Criança geopolítica assistindo ao nascimento do novo homem"
Agora podemos entender por exemplo o Arquétipo do herói, um dos mais comuns e populares, em que o herói nasce com características especiais ou adquire através de um evento em vida, passa a ter problemas com a responsabilidade que surge, tem um tutor, e depois parte em uma empreitada para fazer de seu dom algo construtivo e não uma maldição. É claro, esse é um esboço, sempre há variações, mas este por exemplo esteve presente em todas as sociedades de todas as épocas. Já a compreensão do processo criativo sob observância da teoria do inconsciente junto aos arquétipos, nos permite inferir que o artista é/se tornou um canal propriamente dito. Por isso ele canaliza. E não só de si, mas de eras humanas imemoriais.




















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